No início dos anos 70, eu era uma simpática e voluntariosa menininha de cinco anos quando um vírus desconhecido se alojou em minha medula. O médico do interior achou que era manha, pois não identificava nenhuma doença; eu apenas me queixava de dor na garganta e nas pernas. Três dias mais tarde, e passadas duas visitas ao médico, minhas pernas não mais atendiam ao meu comando. Viemos para Belo Horizonte. Na capital, com certeza saberiam dizer o que eu tinha. Muitos exames depois – tudo bastante assustador para uma criança de cidade pequena –, o diagnóstico era mielite transversa. Eu não andaria mais. Segundo o médico, nem mesmo me sentaria sozinha. Mudamos para a capital mineira, e nossa vida recomeçou. Seis meses internada. Tudo novo, tudo desconhecido. Eu tinha muito medo.
Passaram-se quase quarenta anos, e hoje você pode ouvir esta história. Pode saber que consigo não apenas sentar-me sozinha, como também posso fazer praticamente tudo o que desejo ou preciso. Claro: não da mesma forma que uma pessoa sem deficiência faz. Mas com empenho, treino, dedicação, apoio, adaptações e inclusão.
Eu, que tinha nascido em uma família com parcos recursos financeiros (a situação ficou um pouco mais difícil com minha doença e a consequente mudança para a capital), estudei com bolsa de estudos e fui à aula em um carrinho de madeira (bem parecido com um carrinho de pedreiro) empurrado por minha mãe. Havia sido feito por um vizinho, avô de uma garota que também tinha uma deficiência de locomoção. Não tínhamos dinheiro para cadeira de rodas e eu não conseguia cobrir a distância a pé…
Enquanto meus coleguinhas faltavam de aula para ficar debaixo das cobertas por causa do frio ou da chuva, minha mãe e eu subíamos impavidamente um dos milhares de morros de Belo Horizonte em direção à escola. Muitos anos depois, formada, era difícil achar emprego. Nos anos 80, as pessoas ainda não tinham ouvido falar na palavra “inclusão”. Era inusitado alguém empregar uma pessoa com deficiência. Mas eu não queria apenas um emprego: tinha nascido ambiciosa numa família pobre. Queria um bom emprego, ter um carro legal, viajar. Foi então que apareceu um concurso para a Assembleia Legislativa. Meses depois, outro para o Banco do Brasil. Fiz os dois, com o incentivo irrestrito de minha mãe e de algumas outras pessoas, e paguei a inscrição com o dinheirinho juntado com esforço.
E se eu não passasse? Não queria perder o dinheiro… A grana que juntei era proveniente de aulas particulares de português e matemática que eu dava, incentivada por um namorado que era também meu professor. Eu era uma excelente aluna, e isso alavancou meu progresso. Pois bem: bravamente (!), decidi investir minha grana em mim mesma, apesar de ser um investimento de risco. Mas, felizmente, passei nos dois concursos. Muito bem colocada, apesar de só ter o 2° grau e de ter estudado sozinha, em casa, com apostilas emprestadas. Valeu o esforço e o incentivo que recebi.
A princípio me locomovia usando aparelhos ortopédicos nas duas pernas, no quadril e no tronco, além de um par de bengalas canadenses. Era muita coisa! Mal conseguia subir um meio-fio. Com a fisioterapia, feita em hospital público, ganhei condições de ficar com o aparelho em apenas uma perna, e mantive as bengalas. Já podia pegar ônibus! Foi assim que comecei a trabalhar e também a frequentar a Faculdade de Letras, que era meu sonho. Comprei um carro dois anos depois e abri mão, com satisfação, das loucas aventuras nos ônibus de BH.
Minha vida a partir daí, já contando com melhores condições financeiras, foi feita de muito investimento em saúde e bem-estar. Jamais poupei dinheiro para fazer os tratamentos que pudessem me auxiliar a viver melhor em meu próprio corpo. Investi em um excelente equipamento ortopédico, uma cadeira de rodas que me atendesse convenientemente e um automóvel que desse conta do recado com louvor.
Tenho muitos amigos que amo, com quem saio e viajo bastante. Tive vários namorados, mas ainda não bateu coragem de juntar as escovas de dentes. Mas acho uma delícia estar apaixonada! Tenho um bom relacionamento com a família e curto minha mãe de montão. Acima de tudo, eu a admiro muito, pela fortaleza de fé que sempre foi, por nunca ter desanimado diante dos desafios e por ter sido alicerce para que eu me desenvolvesse, sempre me oferecendo apoio irrestrito e muito, muito amor.
Uma das minhas opções de vida foi fazer trabalho voluntário, para que eu pudesse ajudar a levar a outros um pouco das bênçãos que recebi. Queria ser um instrumento para que coisas boas acontecessem. Trabalho como voluntária há quase 20 anos, há 15 em uma instituição espírita, que amo profundamente. A vivência da espiritualidade é meu grande suporte.
Sou revisora de textos da Assembleia Legislativa e fiz pós-graduação nessa área. Sou apaixonada pelo trabalho de revisão de livros, que também faço para uma editora espírita, em caráter voluntário.
O que eu mais gosto de fazer hoje? Viajar. Ano que vem devo partir para meu primeiro intercâmbio. E o que caracteriza minha personalidade? Sou apaixonada pela vida. Não me abato por muito tempo, tenho uma predisposição para a alegria e uma confiança danada nos processos da existência, o que impede que eu desista dos meus objetivos ou encare um desafio como sendo um impedimento. Meu grande aprendizado? Saber respeitar limites. Aprendi que para alguns não há remédio, ao menos momentaneamente. Mas meu impulso de ariana é de desafiá-los, sempre. Meu grande sonho? Dia a dia me tornar uma pessoa melhor.
Se quiser ouvir outras histórias que gosto de contar, você pode conferir meu blog. Adorarei receber sua visita.
Grande abraço,
Laura Martins